Paulo Feytor, presidente da Associação de Professores de Português
«Se a tendência castelhanizante que se verificou em Portugal a partir de aproximadamente 1450 não tivesse sido quebrada em 1640, o português teria um estatuto idêntico ao da língua mais falada a norte do Minho»
Sexta, 11 Março 2011 00:00

Paulo Feytor, presidente da Associação de Professores de Português
Valentim R. Fagim - Paulo Feytor é presidente da Associação de Professores de Português e vem de sair do prelo um livro da sua autoria, O essencial sobre Política de Língua, uma obra de divulgação de um modelo de análise que permite enquadrar a reflexão sobre a relação entre política e língua em Portugal. Tivemos com ele para conhecer em primeira mão as suas opiniões e, ainda, a sua percepção do caso galego.
De uma ótica galega, temos a impressão de que obras como estas são mais próprias de contextos notadamente plurilingues como o espanhol ou o francês. Para já, por que sentiu a necessidade de escrever este livro?
Como o livro é o resultado sintetizado da minha tese de doutoramento, para melhor explicar a sua origem, o melhor é explicar porque fiz uma tese sobre Política de Língua em Portugal.
No início dos anos 1990, já professor de Português e Francês do ensino básico e secundário, fiz uma pós-graduação em Sociologia e Economia do Espaço Lusófono, num instituto que viria a ser a actual Universidade Lusófona. Como bom português, professor de português, interessava-me pela dimensão internacional da língua. Interessava-me, em particular, pela situação linguística de Moçambique, onde vivi, filho de colonos, até aos onze anos. O facto de ser professor da língua materna dos meus alunos, língua em que também são ensinadas as restantes disciplinas, e de ser também professor duma língua estrangeira, cedo tornou evidentes as vantagens da aprendizagem formal da e na língua materna. No entanto, o meu interesse por Moçambique caiu por terra no dia em que o professor Alfredo Margarido – morto no passado 12 de Outubro e que viria a ser o meu orientador tanto do mestrado como do doutoramento – me perguntou se o meu interesse por Moçambique era alguma forma de querer repor dívidas do passado ou de neo-colonialismo ou de…
Não gostei nada! Mas percebi que lá estava mais um português, eu, a opinar acerca do que fazem os outros que falam português. Decidi centrar-me na situação linguística portuguesa. Esta intenção foi reforçada ao aperceber-me de que a reflexão existente em Portugal sobre política de língua girava em torno de uma única língua – o português – e sempre fora de portas, no estrangeiro – a Lusofonia.
Voltando à tua pergunta, diria, em síntese, que este livro surgiu da necessidade de contribuir para o enquadramento da reflexão portuguesa sobre política linguística num modelo de análise internacionalmente reconhecido, chamando a atenção para o imperativo de ter em conta todas as línguas presentes num determinado ambiente linguístico e para o facto de Portugal ter deixado de ser um país monolingue. Com efeito, cerca de 4% dos residentes no país tem uma língua materna diferente do português.
Qual acha ser o imaginário português em relação à diversidade linguística presente em Portugal?
Para os portugueses, há diferenças muito grandes entre as línguas maternas faladas actualmente em Portugal. As únicas variedades que são consideradas verdadeiras línguas são aquelas que têm um grande número de falantes, que têm uma tradição escrita consolidada, com gramáticas e dicionários publicados, e que são língua oficial de um país independente. Neste grupo, incluem-se línguas oficiais nacionais de origem europeia e asiática. Nesta perspectiva, entre as línguas maternas mais faladas no país estão, além do português, o francês, o espanhol e o inglês, mas também o ucraniano, o russo e o romeno.
Entre as variedades que, para os portugueses, não são línguas – as não-línguas –, há os dialectos derivados e os dialectos isolados. No primeiro grupo, incluem-se variedades relacionadas com uma língua, mas que não fazem propriamente parte dessa língua. Maneiras desregradas de falar, como o mirandês ou o cabo-verdiano. No segundo grupo, incluem-se todas as línguas africanas que, para os portugueses, não só não têm regras de funcionamento, como não estão relacionadas com qualquer língua. São dialectos de língua nenhuma. O quimbundo é o “dialecto isolado” mais falado actualmente em Portugal.
A relação portuguesa com as línguas faladas no país é ainda condicionada pelo facto de serem ou não línguas autóctones do país. Assim, o português, língua maioritária, é a única língua oficial do país que é objecto e veículo de ensino. A língua gestual portuguesa, desenvolvida a partir da primeira metade do século XIX, e o mirandês, variedade portuguesa do asturo-leonês, são línguas oficialmente reconhecidas e presentes no sistema educativo. As línguas maternas de imigrantes não têm o mesmo tratamento. É reconhecida a sua presença, mas apenas tendo em vista o ensino do português como língua não materna. Trata-se de uma política encetada já no século XXI na sequência da chegada de falantes de línguas do leste europeu. Só então, para os falantes de crioulos de base lexical portuguesa, como o cabo-verdiano, o guineense e o santomense, e de línguas de origem exclusivamente africana, como quimbundo, foi reconhecido que tinham uma língua materna diferente do português.
Qual foi a política dos diferentes governos portugueses na África no que diz respeito da diversidade linguística?
O que atrás disse é um claro indício da política dos governos portugueses diante das línguas africanas. Tanto antes de 1974, com a monarquia constitucional, a primeira república e a ditadura, como depois, com a democracia, a atitude portuguesa tem sido de total rejeição das línguas maternas dos africanos.
Na verdade, esta atitude remonta aos primeiros contactos directos, no século XV. Desde logo, os portugueses obrigaram escravos africanos a aprender português para servirem de intérpretes nas expedições ao longo das costas africanas. Durante os pouco mais de cem anos de colonização portuguesa de territórios africanos, as línguas autóctones nunca fizeram parte do currículo do ensino público. O objectivo era a assimilação, a transformação dos indígenas em cidadãos portugueses. Para o efeito, era obrigatório o domínio do português e a adopção dos hábitos e costumes portugueses. Este foi o objectivo oficial, entre 1836 e 1961, após o início da guerra em Angola.
Após 1974, em condições políticas felizmente diferentes, a atitude portuguesa manteve-se inalterada. No contexto da Lusofonia, Portugal tem continuado a ignorar o facto de a maioria dos lusófonos africanos não terem o português como língua materna. As autoridades portuguesas, e a população em geral também, quando pensam na situação linguística dos cinco países em questão nunca se lembram das línguas autóctones. Só o português. Na Guiné-Bissau, ninguém fala habitualmente português. Apenas 1% o terá como língua materna e, no máximo 10%, sabem-no falar tendo outra língua materna. Apesar disso, toda a alfabetização é feita em português, língua desconhecida da esmagadora maioria dos alunos. A generalidade dos professores de português não o têm como língua materna e apenas o utilizam na sala de aula. Fora, mesmo entre professores de português, na escola, falam outras línguas. É óbvio que as taxas de insucesso são calamitosas. Portugal apoia!
No último verão, foi muito polémico, em Portugal, o para já recusado pedido de adesão da Guiné Equatorial à Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Além das considerações de carácter político, económico e social, um dos focos da polémica foi a situação linguística do país. Toda a opinião publicada falou do facto de ser um país de língua espanhola. Alguns assinalaram que o país até já tinha tornado o francês língua oficial. Poucos fizeram ainda referência ao crioulo de base lexical portuguesa. Ninguém disse o que quer que seja acerca das línguas mais faladas no país. Por serem africanas, não interessam, não existem.
O termo Lusofonia está a ser cada vez mais utilizado para demarcar as sociedades que usamos a língua (galego)portuguesa. No entanto, não tem a difusão que sim tem o seu inspirador, Francofonia. Quais acha que podem ser as razões?
Em primeiro lugar, porque é um termo que os brasileiros desconhecem e de que muitos africanos não gostam. Penso que este alheamento se deve ao facto de a palavra estar excessivamente conotada com Portugal, os Lusíadas e a Lusitânia e de, por isso, não se adequar a um projecto que os outros lusófonos não querem que seja particularmente lusitano.
Depois, no mercado mundial das indústrias da língua onde se afirmam as línguas que se querem globais, são precisos muitos leitores, com hábitos culturais consolidados e com elevado poder de compra, três coisas que infelizmente escasseiam entre os que têm o português como língua materna.
Também a muito desejada adopção do português como língua de conferência e de trabalho em organismos internacionais esbarra no facto de entre os lusófonos não haver intérpretes de uma grande diversidade de línguas. Pouco mais que as línguas europeias linguística e geograficamente mais próximas. Em Portugal, só há cursos superiores de tradução de francês, inglês e alemão… Por isso, no parlamento europeu, a comunicação entre portugueses e lituanos faz-se através de uma destas línguas, assim como, na união africana, a compreensão entre um argelino e um moçambicano.
No início do novo milénio, porém, a “causa lusófona”, mesmo sem lusofonia no rosto, ganhou um novo e portentoso trunfo. A ascensão do país com mais de 80% dos lusófonos ao estatuto de potência política e económica emergente na nova ordem mundial. Este estatuto sairá certamente reforçado com a organização dos dois maiores tele-eventos da cidade global contemporânea: o mundial de futebol (2014) e os jogos olímpicos (2016). Por muito que custe aos portugueses, Portugal (já) não é o propulsor global da língua, nem a sua difusão virá a ser conhecida como Lusofonia.
Começa a se abrir passo no imaginário da cidadania de Portugal a visão de o português ser uma língua compartilhada, um património de vários países, sem monopólios?
Para os portugueses, o português é a língua de Portugal. Os outros, quando falam português, usam uma coisa que é dos portugueses. Apesar de todos os outros falarem mal a nossa língua, quando a falam engrandecem a portugalidade. Esta atitude está claramente evidente na expressão “português, língua de Camões” e no facto de o dia da nacionalidade ser também o dia do maior símbolo da língua: o 10 de Junho. Em tempos, este mesmo dia foi também o dia da raça (portuguesa)!
Esta dificuldade portuguesa em reconhecer a co-propriedade da língua é evidente no folhetim ortográfico que se arrasta há 100 anos. Há um século que as autoridades e a população portuguesa resistem à reunificação ortográfica da língua por considerarem que ela representa uma cedência inaceitável à tradição ortográfica brasileira. Mesmo se as melhores gramáticas (Bechara) e dicionários (Houaiss) actuais da língua portuguesa tiveram origem do outro do Atlântico – já Morais da Silva, autor do primeiro dicionário da língua, era um português nascido, criado e morto no Brasil. Aliás, a ruptura da unidade ortográfica deve-se única e exclusivamente aos portugueses que, em 1910, decidiram alterar a ortografia sem qualquer diálogo com brasileiros. Desde então, os muito e variados regimes políticos têm tentado, sem sucesso, uma reunificação. Em matéria ortográfica, os africanos são tratados, pela opinião pública, como se não existissem!
No seu livro afirma que o espanhol, terceira língua estrangeira mais falada em Portugal, não é considerada de grande utilidade, se confrontada com o inglês e o francês. Isto parece colidir com aquela famosa sondagem que afirmava que uma parte significativa da cidadania portuguesa era partidária de um estado comum com Espanha.
É verdade que há cerca de 10 anos, segundo o Eurobarómetro, os portugueses não consideravam o espanhol muito útil, mas também é verdade que era a terceira língua que mais gente dizia falar. É verdade que muitos se dizem apoiar uma união ibérica, mas também é verdade que continuam a dizer que de “Espanha nem bom vento nem bom casamento” (cada vez menos, é verdade!).
Devo dizer que achei surpreendente na tua pergunta relacionares a utilidade da língua com uma eventual união. Nem a compreendi completamente, à primeira. Talvez porque quando os portugueses se dizem a favor dessa união nem lhes passa pela cabeça deixar de falar português, não pensam no espanhol como língua dessa unidade. A unidade seria só política e económica? Talvez porque dizer apoiar a união é só uma forma de passar um raspanete à classe política portuguesa. Uma coisa do tipo da bandeira espanhola, em Abril, em Valença do Minho, por causa da falta de serviços de saúde.
No entanto, na última década tem sido grande a mudança de atitude dos portugueses diante do espanhol. No ensino básico e secundário é já mais aprendido do que o alemão, presente no currículo desde o século XIX, e ameaça a posição do francês como segunda língua mais aprendida. A procura é tal que há falta de professores de espanhol – até ao 25 de Abril não havia cursos superiores de espanhol e no ensino básico e secundário apenas foi introduzido na década de 1990. Parecem ser duas as razões para esta forte adesão. Ambas de carácter utilitário ou pragmático. Por um lado, para facilitar o eventual ingresso no ensino superior espanhol, em Santiago de Compostela, por exemplo, em especial, em cursos de Medicina. Por outro lado, por ser uma língua em que os alunos conseguem facilmente resultados melhores que a francês e alemão.
Entre 1580 e 1640 o “espanhol chegou a ser a língua predominante na produção literária e livreira”. Que julga que se teria passado se Portugal não alcançasse a independência? Se nos permite a retranca (ironia), talvez a identidade comum galego-portuguesa não estaria em debate.
Se a tendência castelhanizante que se verificou em Portugal a partir de aproximadamente 1450 não tivesse sido quebrada em 1640, o português seria seguramente uma língua com maior implantação rural do que urbana e sem expressão intercontinental – só no século XVIII se encetou a generalização do português no Brasil e em África, só no século XX. Teria um estatuto idêntico ao da língua mais falada a norte do Minho.
Se a língua falada a norte do Minho seria a mesma língua falada a sul, é outra questão e com muitos mais ses… por um lado, o rio Minho não seria uma fronteira política, pelo menos, entre estados soberanos, por outro lado, a norma culta portuguesa já estava solidamente baseada nas variedades meridionais de Coimbra e Lisboa com o importante contributo moçárabe insignificante mais a norte. Por um lado, mesmo com a fronteira política desde 1640, muitos consideram que na Galiza e em Portugal se falam variedades da mesma língua. Por outro lado, muitos espanhóis de Valência consideram ter uma língua materna diferente dos espanhóis de Barcelona.
Uma coisa é certa. Sem 1640 muita coisa seria diferente na península ibérica e no mundo de hoje.
Em 2000, 44% dos portugueses falam no mínimo uma língua estrangeira. No estado espanhol as cifras são muito mais reduzidas. A que atribui este facto?
No Eurobarómetro de 2000, realizado no âmbito do Ano Europeu da Línguas, com a UE com quinze estados-membros, Portugal era o segundo país com mais pessoas que se declaravam monolingues, depois do Reino Unido. Não sei qual era o valor para Espanha, mas lembro-me que me surpreendeu o facto de ser inferior ao de Portugal. Ficamos num impasse…
Portugal é o país europeu onde existe um maior conhecimento da língua francesa, a exceção, é claro, dos países francófonos. Quais as causas? Considera que se manterá esta situação?
A presença da língua francesa no atual território continental português é anterior a fundação do país. Os primeiros nove reis portugueses constituem a Dinastia de Borgonha. Além do topo da nobreza, variedades francesas eram também faladas pelo topo do clérigo, mas também por inúmeros colonos que (re)povoaram muitas zonas do sul do país. Nos séculos seguintes, muitos professores universitários formaram-se em universidades francesas.
No entanto, a situação atual nada tem a ver com esta presença inicial. A aproximação dos portugueses ao mundo cultural francês deu-se justamente na sequência de 1640. Para marcar peremptoriamente a autonomia relativamente a Espanha, as autoridades e as elites optaram pelo francês como língua de comunicação internacional e de “alta cultura”. Foram publicadas inúmeras gramáticas do francês em torno de 1700. Determinante no processo de francização da cultura portuguesa foi a adopção do francês como primeira língua estrangeira obrigatória no ensino secundário, entre meados do século XIX e 1973. Assim, o francês tornou-se a língua dominante da (pouca) população urbana mais escolarizada. Mas esta difusão veio a verificar também entre a população rural pouco ou nada escolarizada, através do regresso de ex-emigrantes portugueses em França. O regresso destes portugueses, e dos seus filhos, faz com que o francês esteja entre as línguas maternas minoritárias com maior expressão.
Em 2001 o português virou explicitamente língua oficial em Portugal e talvez surpreenda aos nossos leitores e leitoras o facto de existir uma legislação que institui a obrigatoriedade da língua em rótulos e etiquetas. Eram precisas estas medidas?
Por incrível que te possa parecer, acho que sim. E, em boa verdade, ambas têm muito a ver com a adesão de Portugal à atual EU.
Comecemos pela língua oficial. É claro que o português é a língua utilizada em todos os documentos oficiais desde cerca de 1300, língua de escolarização desde 1759 e língua materna de 96% da população. No entanto, a necessidade do reconhecimento constitucional do estatuto da língua foi suscitada por questões de política europeia, numa altura em que se discutia o projecto de constituição e em que a União ia quase duplicar o número de línguas oficiais. A intenção explicitada era a de garantir o estatuto do português como língua oficial e de trabalho dos organismos europeus. Mesmo sabendo que é muito pouco língua de trabalho…
Quanto aos rótulos e etiquetas. Até ao 25 de Abril, a maior parte dos produtos de consumo quotidiano eram fabricados em Portugal graças à política proteccionista. Os produtos estrangeiros muitas vezes não tinham “instruções” em português. Com a abertura do país ao exterior, mais evidente com a adesão à actual UE, esta situação tornou-se mais frequente. Devido à expansão do turismo, muitos lugares públicos no Algarve não tinham nada em português, incluindo a ementa. Só em inglês.
A política linguística também tem alcançado as rádios comerciais com quotas para a produção nacional em português. É Portugal um país mais virado para a anglofonia do que outros países meridionais ou ainda europeus?
A dependência portuguesa do exterior não se restringe às áreas política e económica, nem à atualidade. Primeiro dependemos das riquezas da Índia, depois do Brasil, depois de África e agora a Europa (ou talvez da China?!). Sendo um país muito pequeno, também culturalmente dependemos muito do exterior. Há quinhentos anos, dependentes de Espanha, depois de França, agora da cultura anglo-saxónica. Além disso, entre a língua e a cultura materna da maioria e a língua e cultura global, não há nenhuma língua ou cultura de inserção em espaços intermédios, tornando-as, talvez, realidades mais próximas.
Penso que a dependência cultural portuguesa está mais próxima da realidade holandesa, dinamarquesa ou grega. Enquanto a autonomia cultural espanhola estará mais próxima da realidade italiana, francesa ou alemã. Portanto, diria que somos mais anglófilos que os outros latinos europeus só porque somos mais dependentes do exterior e quem domina atualmente o exterior é a cultura anglo-saxónica.
Outro dos contrastes entre Portugal e Espanha tem a ver com a política de difusão da língua no estrangeiro. Enquanto a Espanha tem-se destacado pola sua eficácia, em Portugal existe uma enorme dispersão institucional que resta profundidade às ações. Existem indícios de isto vir a mudar?
No início deste ano houve uma mudança formal importante. Finalmente, a política de difusão internacional da língua vai estar centrada num único organismo, o Instituto Camões (IC), dependente dos Negócios Estrangeiros. Até Janeiro, o IC apenas tratava da difusão junto de adultos do ensino superior enquanto os ensinos básico e secundário, dirigido a filhos de emigrantes e outros lusófonos, estava sob tutela do Ministério da Educação. No entanto, para a gestão dos programas europeus de aprendizagem ao longo da vida – Coménius, Leonardo, Erasmus... –, que podem ser um forte instrumento de política linguística ao captar bolseiros que no nosso país aprendam e pratiquem a língua, foi criada uma nova entidade sob dependência de três ministérios. Diria, em síntese, que a confusão institucional de política de língua tem a ver com problemas estruturais da própria organização da administração e da sociedade portuguesas. Sobre esta realidade, é comum, em Portugal, citar-se um general romano que, no século I ou II a.C., descreveu os portugueses, como um povo que “não se governa nem se deixa governar”.
Como observador externo, que passos julga que deveria dar o governo e as instituições galegas, para a Galiza aproveitar a vantagem competitiva do português? Como vê a Galiza na Lusofonia?
Para os portugueses a Espanha é essencialmente uma coisa só. Tal como Portugal. Mesmo galego, mesmo catalão, para nós, um espanhol é um espanhol, tal como as evidentes diferenças entre um minhoto e um alentejano não fazem com que algum deles deixe de ser português, mesmo sabendo que as coisas não são exactamente iguais dos dois lados da raia. A inexistência das autonomias espanholas no imaginário português fez com que, em Valença do Minho, tivesse sido hasteada a bandeira espanhola e não a galega, de cujas autoridades dependem os serviços de saúde oferecidos. É que em Portugal (a sul do Douro…?), ninguém conhece a bandeira da Galiza. Hastear a bandeira galega em Valença não teria qualquer impacto tele-mediático em Portugal. Além disso, ser ameaçado pela Galiza não faz parte dos perigos ou castigos portugueses há muitos, muitos séculos.
Neste contexto, diria que para a maioria dos portugueses a língua galega é uma espécie de português nortenho falado à espanhola. Mas não é português. É próximo do português, mas faz parte das línguas espanholas. A verdade é que a Galiza não existe no imaginário português da Lusofonia. Não será por rejeição ou negação… talvez só esquecimento ou ignorância... talvez respeito ou medo! Mas este alheamento parece não existir só do lado de cá da raia. Do lado espanhol, também há qualquer coisa do mesmo tipo, que se torna evidente com a comparação entre o ensino do português na Galiza e na Extremadura. Enquanto na Galiza as opiniões se dividem e a difusão da língua, tal como é falada a sul do Minho, é escassa apesar de ser oficialmente considerada língua ambiental, já na Extremadura parece haver um consenso quanto à transformação do português numa língua falada pela generalidade da população.